Sistemas de Ventilação e Ar Condicionado
No documento da ACT com as 19 Recomendações para “Adaptar os locais de trabalho / proteger os trabalhadores refere-se que “é importante que os locais de trabalho interiores sejam ventilados, preferencialmente através do reforço da ventilação natural, através do arejamento dos locais de trabalho, que deve ser assegurado, sempre que possível, pelo menos duas vezes por dia (por exemplo, à hora de almoço e ao fim do dia)” e “aconselha-se o reforço da manutenção e limpeza dos sistemas de ventilação e ar condicionado”.
Na orientação da DGS n.º 23/2020, de 08/05/2020 [1], respeitante aos procedimentos em estabelecimentos de restauração e bebidas, indica-se como uma das medidas: “Assegurar uma boa ventilação e renovação frequente de ar nas áreas do restaurante, por exemplo através da abertura de portas e janelas. Em caso de utilização de ar condicionado, esta deve ser feita em modo de extração e nunca em modo de recirculação do ar”, e que “o equipamento deve ser alvo de uma manutenção adequada (desinfeção por método certificado)”.
Que se entende por boa “boa ventilação”? É aquela que garante que os agentes nocivos (químicos ou biológicos) presentes num espaço sejam removidos para o exterior ou o ar seja diluído de modo que a sua concentração não implique riscos ou desconforto para os seus ocupantes.
A ventilação de um espaço pode conseguir-se de várias formas:
– apenas através de meios naturais – ventilação natural (a entrada e saída do ar ocorre pelas aberturas existentes – janelas, grelhas de arejamento, chaminés);
– através de meios mecânicos – ventilação mecânica (extractores, exaustores, ventiladores), ou
– através de uma combinação dos dois anteriores – ventilação mista.
Por outro lado, a ventilação poderá fazer-se por diluição (por introdução de ar fresco que leva a uma diminuição da concentração dos agentes nocivos), ou por extracção do ar viciado, ou por uma combinação das duas. Por norma, os sistemas de extracção apresentam vantagens em relação aos de diluição, em particular no caso de a geração dos agentes nocivos ser localizada e poder-se proceder à sua extracção para o exterior no ponto da sua formação.
Os sistemas de ventilação podem destinar-se apenas à renovação do ar ou ter associada a função de climatização, destinando-se esta ao controlo de parâmetros ambientais com vista ao conforto térmico (arrefecimento/aquecimento do ar, controlo da humidade).
Várias normas de diplomas legais estabelecem valores para a taxa de renovação do ar. Por exemplo, no Decreto-Lei n.º 243/86, de 20 de Agosto, (que aprova o regulamento geral de higiene e segurança do trabalho nos estabelecimentos comerciais, de escritório e serviços), é referido que: o caudal médio de ar fresco e puro a ser admitido na atmosfera de trabalho deve tender a, pelo menos, 30 m3 por hora e por trabalhador. O caudal poderá ser aumentado até 50 m3 sempre que as condições ambientais o exijam.
E o porquê da ventilação dever ser “feita em modo de extracção e nunca em modo de recirculação do ar”? Porque a recirculação do ar não contribui para a sua renovação nem melhoria da sua qualidade (podendo, até, produzir o efeito contrário).
E os vulgares Splits de ar condicionado? Estes aparelhos têm a função de climatização: aquecem/arrefecem o ar e promovem a sua circulação. Não extraem ar do interior nem introduzem ar fresco do exterior.
Por tal motivo, estes sistemas, por si só, não promovem a renovação do ar, sendo necessário promover a ventilação natural abrindo as janelas ou portas.
A propósito do ar condicionado, foi amplamente difundido nos média, um estudo de caso ocorrido na China no qual se associa o contágio ao funcionamento de aparelho de ar condicionado. O estudo, que foi publicado na página da CDC – Centers for Disease Control and Prevention, EUA [2], apresenta a seguinte conclusão: “We conclude that in this outbreak, droplet transmission was prompted by air-conditioned ventilation. The key factor for infection was the direction of the airflow”.
O estudo apresenta várias falhas (algumas admitidas pelos próprios autores), pelo que a conclusão apresentada não poderá ser extrapolada para outras situações.
Na sequência da polémica gerada, a APIRAC – Associação Portuguesa das Empresas dos Setores Térmico, Energético, Eletrónico e do Ambiente, emitiu um comunicado onde se afirma que “é falso que o Ar Condicionado transmite a COVID-19” [3].
No comunicado da APIRAC, é dito que se o ar que entra num sistema de ventilação não estiver contaminado, o ar que sai também não estará.
No referido comunicado, é referido que “a eventual presença de pessoas contaminadas ou assintomáticas nos espaços a climatizar, e onde os sistemas deverão ter a possibilidade de anular o ar recirculado, por mera manipulação de registos, e providenciar uma ventilação por insuflação só de ar novo”.
Entretanto, foi publicado pela DGS um documento de divulgação [4] em que se reforça a ideia da necessidade de ventilação dos espaços fechados e do cuidado quanto à não activação da função de recirculação do ar.
A questão que se coloca não é se os sistemas de ar condicionado transmitem a COVID-19, mas se são adequados e eficazes na prevenção do contágio.
Se num espaço fechado (por. ex. um restaurante) estiver presente uma pessoa infectada pela COVID-19 (em princípio assintomática), o risco de transmissão do vírus a outras pessoas será menor se o local for bem ventilado (por extracção e introdução de ar fresco).
Em nenhum dos documentos referidos (assim como no mais recentemente emitido pela DGS [5]) se pormenoriza em que consiste uma “boa ventilação”, apenas sendo dito que no caso dos sistemas de ar condicionado, a ventilação deverá fazer-se “em modo de extração”, e nada é referido quanto às situações em que apenas existem splits de ar condicionada apenas com a função de aquecimento/arrefecimento.
Tendo em consideração o modo de funcionamento daqueles aparelhos, é de primordial importância que a sua colocação em funcionamento, se necessário, não substitua uma adequada ventilação (através da abertura de portas e janelas).
Assim como é importante que os aparelhos sejam sujeitos a manutenção periódica, a realizar por técnicos credenciados e, de preferência, com uma periodicidade inferior ao que era normal fazer-se antes da situação actual.
Referências:
[1] COVID-19 – Procedimentos em estabelecimentos de restauração e bebidas, DGS, 08/05/2020.
[2] COVID-19 Outbreak Associated with Air Conditioning in Restaurant, Guangzhou, China, 2020.
[3] APIRAC – Comunicado de imprensa, Ar condicionado combate a COVID-19, 08/05/2020.
[4] Sistemas de ventilação e ar condicionado, DGS, 12/05/2020.
[5] Saúde e Actividades Diárias – Medidas de Prevenção e Controlo da COVID-19 em Estabelecimentos de Restauração e Bebidas, DGS, 19/05/2020.